quinta-feira, 16 de abril de 2009

Geração da Utopia - Pepetela

"A Geração da Utopia é o retrato desapiedado dos angolanos a quem ficou a dever-se a epopeia das lutas pela independência e da guerra civil que logo lhe sucedeu, das glorias e das sombras que marcaram esses longos anos de permanente conflito, e do descontentamento e da indiferença que insidiosamente se tornou o estigma de tantos desses homens e mulheres que fizeram, apesar de tudo, um país novo."
"... - A Marta... Nunca mais soube dela, tens notícias?
-Não, quando estava em Paris acabei por perder o contacto.
-Enganou-se numa coisa, colocou a questão numa alternativa. Eu morri e desencantei-me. Os dois caminhos num só.
-O desencanto é sempre uma morte, não é?
Ele afagou distraidamente o tronco da mangueira. Sentiu por trás da casca rugosa, a seiva movendo-se com volúpia.
-Isso de utopia é verdade. Costumo pensar que a nossa geração se devia chamar geração da utopia. Tu, eu, o Laurindo, o Vítor antes, para só falar dos que conheceste. Mas tantos outros, vindos antes ou depois, todos nós a um momento dado éramos puros e queriamos fazer uma coisa diferente. Pensávamos que iamos construir uma sociedade justa, sem diferenças, sem previlégios, sem perseguições, uma comunidade de interesses e pensamentos, o Paraíso dos cristãos, em suma. A um momento dado, mesmo que muito breve nalguns casos, fomos puros, desinteressados, só pensando o povo e lutanto por ele. E depois...tudo se adulterou, tudo apodreceu, muito antes de se chegar ao poder. Quando as pessoas se aperceberam que mais cedo ou mais tarde era inevitável chegarem ao poder. Cada um começou a preparar as bases de lançamento para esse poder, a defender posições particulares, egoístas. A utopia morreu. E hoje cheira mal, como qualquer corpo em putrefacção. Dela só resta um discurso vazio.
..."
"... Antes de Revolução de 1789, havia em França três Estados: a nobreza, o clero e o povo, nesta última oção estando contida a burguesia. Aqui também há três Estados: a burocracia dirigente, os candogueiros e o povo. Contrariamente a França, não é no Terceiro Estado que estão as forças que tomarão o poder. Aqui são os candogueiros, que hoje crescem à sombra de pequenos negócios mais ou menos lícitos, de transporte de pessoas ou mercadorias, trocas desiguais com o camponês ou pequeno comércio nas cidades, desvios e roubos, falsificações de documentos, que estão a acumular capital, a constituir-se numa classe selvagem de empresários. Entre o Primeiro Estado também há candogueiros, geralmente ligados por laços familiares. Quando a casca da utopia já não servir, vão despudoradamente, criar o capitalismo mais bárbaro que já se viu sobre a Terra.
..."
"... O Kaxipembe havia de fazer o seu efeito e dar-lhe a paz da estupidez. Só os estúpidos são felizes, contentam-se com o pouco que conseguem obter, pensou. Há trinta anos era um monstro tremendo, hoje era um polvinho mirrando na areia, agora são só us fiapos de pele e carne. Bebeu de novo. Estava ainda longe da paz.
..."
4º Capítulo, O Polvo, Geração da Utopia
Resumo retirado daqui:
"O romance é uma biografia da geração que fez a independência de Angola, e dos muitos rumos que ela tomou.
Ele começa em 1961, no inicio da revolta contra o sistema colônia, onde a UPA (União dos Povos de Angola, uma organização que defendia o massacre dos brancos e que mais tarde a maioria dos seus membros iriam para a UNITA pró-Estados Unidos) queima plantações de café, invade prisões e chacina colonos.Os estudantes angolanos que vivem em Portugal começam uma discussão sobre qual papel devem desempenhar nesta situação, qual o tipo de sociedade devem construir. Estas discussões são atravessadas pelo racismo do sistema colonial, onde os negros desconfiam dos brancos, mesmo estes sendo nacionalistas angolanos. No fim, todos fogem de Portugal, ajudados pelo Partido Comunista Português e pelo ainda desconhecido MPLA e muitos vão para a guerrilha que já se organiza.
A segunda parte é em plena luta na frente leste, na fronteira com a Zâmbia, onde através do personagem Mundial vemos esta geração ficar cada vez mais desmoralizada com os erros, a corrupção dos dirigentes do Movimento, a falta de perspectivas do fim da guerra. A realidade se mostra mais dura do que muitos imaginavam, e nem todos tem a firmeza de continuar nos caminhos que antes trilhavam.
A terceira parte é em 1982, em plena guerra civil, onde o projeto original do MPLA vai ficando cada vez mais distante da realidade. Os antigos idealistas agora são os dirigentes do aparelho do Estado que, por terem se sacrificado na luta, se colocam agora no direito de comandar os destinos da sociedade e não admitem críticas. A luta por uma sociedade justa agora se transforma em uma luta para permanecer no poder, enquanto o povo sofre as conseqüências da guerra e vai afundando na miséria. À sombra do Estado, aparecem os “candongueiros” – especuladores, atravessadores, pequenos comerciantes - que enriquecem às custas da população e vão progressivamente tomando conta do Estado através de laços de parentesco ou amizade com os dirigentes do país. A um determinado momento nos diz o personagem Sábio, a respeito deles: “Quando a casca da Utopia já não servir, vão criar o capitalismo mais bárbaro que já se viu sobre a Terra”.
A última parte, em 1991, é a concretização disto. Os antigos guerrilheiros, hoje ministros, aplicam as receitas neoliberais do FMI e, através de privatizações e concessões fraudulentas, se transformam em neo-burgueses. O fim das utopias políticas e as catástrofes que se abatem sobre o país, fome, miséria e epidemia de Aids, permitem o aparecimento de um charlatão, criador de uma seita, a Igreja da Esperança e da Alegria em Dominus, onde através de hipnose e técnicas de histeria coletiva consegue uma multidão de fiéis – qualquer semelhança com certas igrejas aqui no Brasil não é mera coincidência.
Ao contrário do que possa parecer, este não é um livro pessimista. Uma das preocupações de Pepetela como escritor e intérprete da realidade de seu país é de mostrar como todos tem a aprender com as sociedades tradicionais em seu respeito com a natureza. Os tecnocratas e apóstolos da “modernidade” de todos os países do Terceiro Mundo acham que basta apenas importar tecnologias estrangeiras para melhorar a vida da população, sem ouvir o que ela tem a dizer.Mas o homem tem muito a aprender com a observação dos ciclos da natureza. E a mensagem que o autor nos passa é de que a história, assim como a natureza, tem seus ciclos, e que o homem deve aprender sobre eles, não para se submeter, mas para atuar neles e modificar sua existência.
Uma coisa original, é que o romance não tem ponto final, querendo dizer que a história ainda está por ser feita, não é o fim dela, mas que o ciclo de sua geração se esgotou, não tem mais nada a oferecer, e que a geração seguinte tem que trilhar seu próprio caminho. É uma mensagem de esperança, pois o que ele oferece é uma interpretação do porquê o projeto de sua geração deu errado, e deixa as lições que devem ser tiradas para os jovens. A única certeza que ele nos dá é a afirmação da primeira frase do romance:
“Portanto, só os ciclos são eternos”.